"Eis as casas, as pessoas, as ruas vivas, a sombra e o sol, as árvores, estes corpos metálicos móveis que são os automóveis, os eléctricos, os autocarros, eis as lojas com coisas penduradas ou arrumadas num espaço que não ousa dilatar-se ou mostradas por trás da protecção dos vidros, eis a pedra, o asfalto, as argamassas sob as tintas, os azulejos, eis as vozes, os barulhos do trânsito, eis a poeira, o lixo e o vento que os empurra, eis o andaime que levanta uma nova casa e o andaime que derruba uma casa velha, eis os monumentos, com homens quase todos e mulheres poucas e heráldicas, e outros heráldicos animais, ou simbólicos, ou úteis, leões, cavalos, alguns bois de trabalho, eis a cidade vista de perto, [...] como uma retina deslumbrada, uma pupila dilatando-se e contraindo-se sob a luz ainda clara deste dia."

José Saramago, em Manual de Pintura e Caligrafia

Ainda lembro o espanto que me assaltou após ler A Jangada de Pedra e descobrir a idade de Sarmago. Eu não sabia nada sobre o autor, e me perdoem se é preconceito, mas surpreendeu-me que alguém com mais de 70 anos pudesse imprimir tamanha energia e cor às palavras de uma metáfora fabulosa como aquela. Depois fiquei atenta a todos os seus livros que encontrava. Todos marcaram de forma irrevogável minha forma de amar a leitura, as palavras e até as pessoas.

triangulos.bmp - 198 Bytes